
A terça-feira da saudade e do espetáculo popular
O sol ainda reluz sobre a Baía de Todos-os-Santos, mas nos corações dos foliões, a sombra da despedida já se faz presente. A terça-feira de carnaval em Salvador é um misto de exaltação e nostalgia, o último suspiro de uma festa que nos leva ao êxtase coletivo e nos lembra, uma vez mais, que a vida presta. Nessa edição histórica, em que celebramos os 40 anos do axé music e os 75 do trio elétrico, a cidade se vestiu de gratidão.
Antes mesmo de Luiz Caldas e seu “Fricote” sacudirem o Brasil, e antes de Dodô e Osmar revolucionarem a música com sua Fobica eletrificada, Salvador já pulsava ao som do seu próprio ritmo. O carnaval de outrora já era belo, recheado de batucadas, mascarados e a energia inconfundível do povo baiano. Mas foi com o trio elétrico que a festa se reinventou e se projetou para o mundo, e foi com o axé music que ganhou identidade sonora e se consolidou como um dos maiores espetáculos populares do planeta.
O carnaval é mais que uma festa. É um fenômeno social, um refúgio onde a duração efêmera de uma canção pode eternizar um momento. Em meio às dificuldades da vida cotidiana, a multidão encontra na folia uma brecha para a felicidade plena. Como bem escreveu Lima Barreto: “O carnaval é a expressão da nossa alegria. O ruído, o barulho, o tantã espancam a tristeza que há nas nossas almas, atordoam-nos e nos enchem de prazer”.
E que despedida foi essa! Luiz Caldas, um dos pais do axé, comandou um trio sem cordas no Circuito Dodô, resgatando suas músicas que são pilares dessa história. No Campo Grande, o clássico Circuito Osmar reuniu lendas como Olodum, Daniela Mercury e Ivete Sangalo, relembrando que o carnaval de Salvador é também uma celebração da nossa ancestralidade e das nossas raízes. O samba-reggae, o axé, a percussão que ecoa pelos becos e ladeiras: tudo ali reafirma nosso orgulho e identidade.
Nosso carnaval não se resume a blocos fechados e camarotes de luxo. Ele é feito pelo povo e para o povo. Ele é a explosão dos blocos afro, o batuque da liberdade, o trio sem cordas, a pipoca fervendo. É esse encontro entre a massa e a música que nos torna únicos.
E agora, ao fim dessa jornada intensa, resta apenas o gostinho do “quero mais” e a esperança de que, no próximo ano, Salvador volte a explodir em cores, sons e emoção. Até lá, guardamos na memória os instantes de alegria e renovação que fazem do carnaval baiano a maior festa popular do mundo.