Queimadas no Brasil: o risco real do aumento do número de casos de câncer e a urgência por estudos sobre o tema
As queimadas que atingem diversas regiões do Brasil e seus impactos, especialmente para a saúde e o possível aumento da incidência de câncer, em particular o de pulmão foi tema de uma roda de conversa que aconteceu durante o 12º Congresso Internacional Oncoclínicas Dana-Farber Cancer Institute, que está acontecendo em Brasília.
De acordo com o diretor-geral do INCA e oncologista da Oncoclínicas, Roberto de Almeida Gil, a poluição do ar é um dos maiores fatores de risco para a morte precoce. “Estamos vendo um aumento nas internações por problemas respiratórios agudos causados pelas partículas inaladas nas queimadas, mas as consequências mais graves, como o desenvolvimento de câncer, aparecerão muitos anos depois. É o preço que vamos pagar pelo ar que estamos respirando hoje”, afirmou.
Na roda de conversa os debatedores explicaram que as micropartículas liberadas pelas queimadas — principalmente as chamadas PM2.5 — têm relação direta com inflamações pulmonares severas, levando a mutações celulares que, ao longo do tempo, podem resultar em câncer.
Segundo Tatiane Tilli, pesquisadora e coordenadora da Plataforma de Oncologia Translacional na Fiocruz, essas partículas são tão pequenas que não são detectáveis a olho nu, mas tem um enorme potencial de danos severos à saúde.
“São 30 vezes menores do que um fio de cabelo, e, embora não as percebamos, as consequências biológicas e celulares que causam são muito significativas. Elas promovem estresse oxidativo e alterações epigenéticas que aumentam a suscetibilidade ao desenvolvimento de tumores”, destacou.
Poluição e câncer: um problema global que afeta o Brasil
Os impactos dessas queimadas não se restringem às áreas diretamente afetadas. Populações de grandes centros urbanos, como São Paulo e Brasília, também sofrem com o aumento da poluição atmosférica. Isso ocorre tanto pela dinâmica das metrópoles quanto pelo longo alcance das queimadas em biomas como o cerrado, o Pantanal e a Amazônia. Um exemplo foi o fenômeno da chuva negra, que atingiu o Sul do país após os ventos soprarem a fumaça dos incêndios originados em outras regiões, incluindo Norte e Sudeste.
Para o diretor médico da Oncoclínicas e presidente do Instituto Oncoclínicas, Carlos Gil, os estudos mais recentes, especialmente da Ásia, têm mostrado que a poluição ambiental, independentemente da origem, está cada vez mais relacionada ao câncer de pulmão em não fumantes.
“As pesquisas asiáticas comprovam a relação direta entre as queimadas e o aumento da incidência de câncer. Foram comparadas populações de áreas expostas à poluição típica dos grandes centros urbanos com as de regiões cujo ar é menos poluído. Ficou evidente que a fumaça de grandes indústrias e da queima de combustíveis fósseis no trânsito é um dos principais fatores causadores de câncer. Embora essas pesquisas não tenham focado especificamente em queimadas, a lógica é a mesma: micropartículas como a PM2.5, sejam resultantes das fábricas, sejam decorrentes de queimadas, são altamente cancerígenas”, afirmou Carlos Gil.
A urgência de políticas públicas e parcerias institucionais
Conforme os pesquisadores esclareceram na roda de conversa, essa comparação destaca a urgência de políticas públicas e parcerias entre instituições públicas e privadas, no sentido de se produzir estudos mais aprofundados no Brasil. Especialmente levantamentos mais específicos sobre os impactos negativos das queimadas na saúde da população.
“O Brasil ainda está muito deficitário na avaliação da qualidade do ar. Precisamos de estudos epidemiológicos mais robustos, que correlacionem a poluição causada por queimadas e a incidência de câncer. Sabemos que os danos podem não aparecer de imediato, mas, a médio e longo prazo, o impacto na saúde da população será inevitável”, salientou a diretora médica técnica da Oncoclínicas, Mariana Laloni.
Igor Morbeck, oncologista especialista em câncer de pulmão da Oncoclínicas, também enfatizou a importância de se investir na geração de dados. “Precisamos de mais estudos epidemiológicos no Brasil que abordem a poluição ambiental. Temos uma capilaridade grande como grupo, presente em várias cidades, o que nos dá uma posição privilegiada para realizar cortes de populações específicas e entender o real impacto desse problema em nossa saúde”, destacou Morbeck. As queimadas trazem à tona a responsabilidade de monitorar e mensurar o impacto dessas partículas na saúde da população”, acrescentou Tatiane Tili.
O caminho para enfrentar esse problema passa, inevitavelmente, por iniciativas como a parceria entre a Fiocruz e a Oncoclínicas. “Essa união de esforços entre o setor público e o privado é essencial para construirmos informações sólidas e, a partir delas, desenvolvermos políticas que possam minimizar as consequências dessas tragédias ambientais”, concluiu Roberto de Almeida Gil, reforçando a necessidade de um compromisso nacional com a saúde pública e a sustentabilidade ambiental.
Panorama das queimadas
Segundo dados do Monitor do Fogo Mapbiomas, nos primeiros oito meses de 2024, os incêndios já atingiram 11,39 milhões de hectares do território brasileiro. Desse total, 49%, ou seja, 5,65 milhões de hectares foram consumidos pelo fogo apenas no mês de agosto. Dois estados que mais queimaram em agosto ficam na Amazônia: Mato Grosso e Pará; em seguida, vem Mato Grosso do Sul.
Serviço
12º Congresso Internacional Oncoclínicas Dana-Farber Cancer Institute
Data: 26 a 28 de setembro de 2024
Local: Centro de Eventos e Convenções Brasil 21, Brasília (presencial) e online – evento híbrido
Tema: Oncologia do Futuro: inovação e eficiência como motores da sustentabilidade
Inscrições: congressooncoclinicas.com.br/